Há tempos, venho pensando na hipótese de que a percepção do leitor sobre determinado livro pode ser – e quase sempre é – influenciada pelas leituras imediatamente anteriores. Explico. Quando li pela primeira vez Diário da Queda (Cia das Letras, 2011), do gaúcho Michel Laub, há dois anos, o texto me pareceu desnecessariamente repetitivo. Embora não tenha lembranças precisas, acredito que estava, naquela época, sob influência de narrativas mais maduras e cadenciadas.
Ao repetir a leitura agora, após conhecer Laub pessoalmente – em um bate-papo realizado em novembro pela Biblioteca Pública do Paraná –, minha percepção do livro foi completamente diferente. Um texto contundente, em que as repetições (necessárias) e a descontinuidade narrativa causam no próprio leitor a angustiante experiência vivenciada pelo narrador. Um romance de formação em que três gerações se unem pela memória, reconstituídas através de um discurso que ora beira o documental – neutro e conciso –, ora alcança o fluxo de consciência.
Resumir o enredo de Diário da Queda, no entanto, é menos simples do que parece. Não se trata de um filho reconstruindo a história do pai e do avô simplesmente; muito menos das memórias do que se passou em Auschwitz, antes da metade do século XX. A narrativa parte de uma queda – João, o único não-judeu (gói) de uma escola israelita de Porto Alegre, não é amparado propositalmente por seus amigos em sua festa de 13 anos (um suposto Bar Mitzvah) e cai violentamente no chão – para destrinchar as consequências da culpa na trajetória do protagonista (judeu), da adolescência à meia idade.
Aos poucos, são revelados fatos de uma juventude conturbada; a mudança de escola e, futuramente, de cidade; as crises constantes nos relacionamentos amorosos; a dependência do álcool; e a impossibilidade de vislumbrar um futuro à sombra do passado – como tornar-se pai diante da história do avô que sucumbiu às memórias do nazismo e de seu próprio pai que passou a vida revivendo o massacre judeu?
Construído de forma fragmentada e não linear – seja no tempo ou no espaço –, Diário da Queda é um livro sobre legados: de um avô judeu, sobrevivente de Auschwitz; de um pai, marcado pela memória do nazismo e do suicídio de seu progenitor; e de um filho, que convive com as marcas da história do avô, a doença (Alzheimer) do pai e seus próprios dilemas. Ou seja, um texto menos sobre o Holocausto e mais sobre o que Laub definiu como “a inviabilidade da experiência humana em todos os tempos e lugares”.
Não deixe de ler também o post sobre o segundo livro da triologia, A Maça Envenenada.
Diário da Queda
Autor: Michel Laub
Editora: Cia das Letras
Lançamento: 2011
Páginas: 152
Preço estimado: R$ 35
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